Resumo
O artigo examina a decisão do STJ no REsp nº 2170665/DF, que validou a exclusão extrajudicial de um sócio com base em estatuto assinado por todos os sócios, mas não registrado na Junta Comercial. A Corte entendeu que, embora o artigo 1.085 do Código Civil exija previsão contratual para a exclusão, tal exigência pode ser suprida por documento parassocial que contenha as formalidades de uma alteração contratual e seja firmado por unanimidade. A decisão reforça a ideia de que a ausência de registro não impede a eficácia interna do ato entre os sócios, desde que haja ciência e concordância unânime, distinguindo o documento de um mero acordo de sócios. O acórdão evidencia uma abordagem substancialista nas relações internas das sociedades, priorizando a manifestação de vontade e a segurança jurídica entre os sócios.
Introdução
O presente artigo analisa uma relevante decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que trouxe nova perspectiva ao tratamento jurídico da exclusão extrajudicial de sócio no âmbito das sociedades limitadas. A discussão gira em torno da validade de tal exclusão quando prevista não em contrato social registrado na Junta Comercial, mas em documento parassocial, subscrito por todos os sócios, porém não registrado. A partir do julgamento do Recurso Especial nº 2170665/DF, a Terceira Turma do STJ sinaliza uma flexibilização na interpretação do artigo 1.085 do Código Civil, reconhecendo a eficácia de documentos internos na regulamentação das relações societárias, desde que preencham os requisitos materiais para surtirem efeitos jurídicos válidos entre os sócios. O artigo busca discutir os fundamentos dessa decisão, suas implicações práticas e os limites da desformalização contratual nas sociedades empresárias.
A Validade da Exclusão Extrajudicial de Sócio Fundamentada em Estatuto Não Registrado: Uma Análise à Luz do Acórdão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu recentemente decisão de grande relevância para o direito empresarial, especificamente no âmbito das sociedades limitadas, ao validar a exclusão extrajudicial de um sócio com base em um estatuto que, embora assinado por todos os membros da sociedade, não havia sido registrado na Junta Comercial. Este acórdão, consubstanciado no REsp nº 2170665 – DF (2024/0350787-8), oferece importantes insights sobre a interpretação do artigo 1.085 do Código Civil e a eficácia de documentos parassociais no âmbito societário.
A controvérsia central envolvia a alegação de nulidade da exclusão de um sócio, sob o argumento de que a previsão para tal medida não constava do contrato social registrado na Junta Comercial, mas sim em um documento denominado “estatuto”, firmado posteriormente por todos os sócios, porém não levado a registro.
A Terceira Turma do STJ, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, reconheceu que, conforme determina o artigo 1.085 do Código Civil, a exclusão extrajudicial de sócio deve estar prevista no contrato social. A finalidade desta exigência é clara: dar conhecimento a todos os sócios, especialmente aos minoritários, dos riscos inerentes à sua participação na sociedade:
“A exclusão extrajudicial de sócio precisa estar prevista no contrato social, conforme se verifica da redação do artigo 1.085 do Código Civil”
“A norma tem como objetivo dar conhecimento a todos os sócios, especialmente aos minoritários, dos riscos da entrada ou permanência na sociedade, valendo transcrever doutrina citada nas razões do especial”
No entanto, o ponto crucial da decisão reside no reconhecimento de que, no caso concreto, o documento denominado “estatuto” possuía todas as formalidades para complementar ou mesmo alterar o contrato social. O Ministro Relator observou que este documento foi assinado por todos os sócios logo após a constituição da sociedade, com o mesmo quórum necessário para alterar as cláusulas essenciais do contrato social. Desse modo, o “estatuto” poderia ser considerado um aditamento ao contrato social, passível de registro, atendendo, na prática, à exigência do artigo 1.085 do Código Civil:
“Na hipótese dos autos, logo após a constituição da sociedade, foi lavrado um documento que se reveste de todas as mencionadas formalidades, tendo sido assinado por todos os sócios, com o quórum necessário, portanto, para alterar até mesmo as cláusulas essenciais, previstas no artigo 997 do Código Civil”
“No caso, como já referido, todos os sócios que compunham a sociedade, inclusive o recorrente, assinaram o documento intitulado “estatuto da CALS” e, portanto, tinham conhecimento da possibilidade de exclusão e puderam avaliar os riscos de permanecerem na sociedade”
Um dos principais argumentos do recorrente referia-se a ausência de registro do “estatuto” na Junta Comercial. Contudo, o STJ, em consonância com a doutrina e a jurisprudência, reiterou que a falta de registro de alteração no contrato social não impede, em regra, que desde logo gere efeitos internos entre os sócios.
O registro tem como principal objetivo conferir oponibilidade perante terceiros. No caso em tela, a previsão de exclusão de sócio diz respeito primordialmente à relação entre os sócios, e não diretamente a terceiros, salvo no que tange a futuros sócios. Ademais, a própria exclusão do recorrente, com a consequente alteração do contrato social e redução do capital, foi posteriormente levada a registro, protegendo eventuais direitos de terceiros:
“A razão de ser da norma é estabelecer uma distinção entre os efeitos intrasocietários e os efeitos em relação a terceiros decorrentes das alterações do contrato social. Assim, uma alteração do contrato social pode desde logo gerar efeitos entre os sócios, não podendo, entretanto, antes do devido arquivamento, ser oposta a terceiros.”
“Partindo da premissa de que o “estatuto” pode ser considerado um aditamento ao contrato social, é possível concluir que a possibilidade de exclusão extrajudicial gerou efeitos desde logo para os sócios. Assim, ao recorrente, sócio signatário do “estatuto da CALS”, poderia ser aplicada a exclusão extrajudicial desde a assinatura daquele documento.”
Outro aspecto relevante abordado no acórdão foi a distinção entre o “estatuto” e um mero acordo de sócios. O STJ afastou a tese de que o “estatuto” se configuraria como um acordo parassocial incapaz de substituir o contrato social. Segundo o entendimento da Turma, o “estatuto da CALS” tratava de matérias típicas do contrato social, estruturando e regulando a vida social, e não apenas os interesses particulares dos sócios no exercício dos poderes sociais. Considerar o “estatuto” como um simples acordo de sócios que não poderia contrariar o contrato social recém-assinado não se mostraria razoável, diante da manifesta intenção de todos os sócios em complementar o pacto social original:
“No caso, conforme referido no aresto recorrido, “o estatuto da CALS” trata de matérias típicas do contrato social, estruturando e regulando a vida social e não somente interesses particulares dos sócios no exercício dos poderes sociais, de modo que não faz sentido entendê-lo como um acordo de sócios.”
“De fato, não há razão plausível para a integralidade dos sócios, que tem legitimidade para alterar o contrato social, inclusive em relação às matérias essenciais, previstas no artigo 997 do Código Civil, reunirem-se logo após a constituição da sociedade para firmar um acordo envolvendo a todos, contrariando o contrato que tinham recém assinado, sendo muito mais crível a intenção de complementar o que tinham acabado de estipular.”
Em síntese, a decisão do STJ reforça a ideia de que, em sociedades limitadas, a vontade unânime dos sócios, expressa em documento que contenha os requisitos formais de uma alteração contratual e verse sobre matérias próprias do contrato social, pode ser suficiente para preencher a exigência de previsão de exclusão extrajudicial, mesmo que este documento não tenha sido levado a registro de imediato. O fator determinante é o conhecimento e a anuência de todos os sócios em relação à possibilidade de exclusão, mitigando o risco de surpresa e garantindo a segurança jurídica nas relações internas da sociedade.
ortanto, embora a praxe e a segurança jurídica recomendem a inclusão expressa das hipóteses de exclusão extrajudicial no contrato social devidamente registrado, o acórdão do STJ demonstra uma flexibilidade interpretativa, reconhecendo a validade de documentos apartados, mas assinados por todos os sócios e com conteúdo de alteração contratual, para fins de previsão da exclusão, especialmente quando os efeitos se restringem à esfera interna da sociedade. Esta decisão sinaliza a importância de analisar a substância dos atos e a real manifestação de vontade dos sócios, para além da mera formalidade do registro, no âmbito das relações societárias.
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