Resumo

Este artigo analisa o impacto do novo marco legal dos criptoativos no Brasil, com base na Lei nº 14.478/2022, nas diretrizes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e nas orientações do Banco Central (Bacen). São abordados os principais aspectos da regulamentação dos ativos digitais, os requisitos mínimos de segurança, liquidez e transparência estabelecidos pela Resolução CVM nº 175/2022, e os limites de alocação definidos pelo Ofício-Circular nº 6/2023/CVM/SIN.

Além disso, o texto destaca o papel das exchanges na negociação dos criptoativos, os desafios enfrentados pelas Asset Managements e as oportunidades geradas pelo novo marco regulatório.

Introdução

O mercado de criptoativos tem apresentado um crescimento exponencial nas últimas décadas, impulsionado pela expansão da digitalização financeira e pelo crescente interesse de investidores institucionais e individuais. Contudo, a ausência de uma regulação adequada sempre representou um entrave à segurança jurídica, aumentando os riscos de fraudes, lavagem de dinheiro e evasão fiscal.

Diante desse cenário, o Brasil avançou na regulamentação dos criptoativos por meio da Lei nº 14.478/2022, também conhecida como o Marco Legal dos Criptoativos. Essa norma estabeleceu diretrizes fundamentais para a regulamentação do setor, delegando competências primordiais ao Banco Central do Brasil (Bacen) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Com isso, gestoras de recursos (Asset Managements) e fundos de investimento passaram a enfrentar um novo panorama regulatório, que demanda uma adequação minuciosa e rigorosa.

O presente artigo busca analisar o impacto da regulamentação sobre os fundos de investimento e seus respectivos gestores, destacando as principais obrigações normativas, desafios e oportunidades oriundos do novo marco regulatório.

O Marco Regulatório dos Criptoativos no Brasil

A Lei nº 14.478/2022 define os ativos virtuais como representações digitais de valor, negociados ou transferidos eletronicamente, sem que se confundam com a moeda soberana nacional. A regulação da prestação de serviços relacionados a ativos virtuais ficou sob responsabilidade do Banco Central, que deve estabelecer diretrizes prudenciais, regras de compliance e mecanismos de supervisão.

Paralelamente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também desempenha papel relevante, especialmente no tocante à inclusão de criptoativos nos fundos de investimento regulados.

Por meio da Resolução nº 175/2022, a CVM trouxe diretrizes claras para a incorporação desses ativos, permitindo que fundos regulamentados possam investir em criptoativos, desde que observados requisitos mínimos de segurança, liquidez e transparência, conforme detalhado a seguir:

  • Segurança: Implantação de medidas robustas de segurança cibernética e de salvaguarda dos ativos digitais, visando proteger os investidores contra fraudes e invasões;
  • Liquidez: Estabelecimento de protocolos que assegurem a capacidade dos fundos em resgatar recursos em condições de mercado, mitigando os riscos decorrentes da volatilidade dos criptoativos; e
  •  Transparência: Exigência de divulgação periódica e detalhada das operações e dos riscos associados à alocação dos criptoativos, permitindo que os investidores tenham acesso a informações claras e atualizadas sobre seus investimentos.

Tais diretrizes visam equilibrar a inovação proporcionada pelos ativos digitais com a proteção e a segurança dos investidores, criando um ambiente mais confiável para a incorporação de criptoativos em fundos regulamentados.

Além disso, o Parecer de Orientação CVM nº 40 reforça a necessidade de aquisição desses ativos por meio de plataformas reconhecidas e devidamente reguladas.

Ofício-Circular nº 6/2023/CVM/SIN: Limites de Alocação para Fundos de Investimento

Em complemento às normativas acima, o Ofício-Circular nº 6/2023/CVM/SIN constitui instrumento regulatório de suma importância para o setor de fundos de investimento que operam com criptoativos, sobretudo aqueles destinados ao público geral.

Esse ofício estabelece que tais fundos podem alocar até 10% de seus portfólios em criptoativos, considerando tanto investimentos diretos quanto indiretos – como, por exemplo, cotas de fundos offshore.

Essa limitação tem como finalidade mitigar os riscos decorrentes da alta volatilidade e das oscilações abruptas dos ativos digitais, protegendo os investidores e evitando que uma exposição excessiva comprometa a liquidez e a estabilidade dos fundos.

Ao mesmo tempo, essa determinação reforça a proteção dos investidores, especialmente os menos experientes, que podem não estar plenamente cientes dos riscos inerentes aos criptoativos, garantindo uma composição de portfólio equilibrada e reduzindo a probabilidade de perdas significativas em cenários adversos de mercado.

Além disso, a imposição desse limite incentiva as Asset Managements a adotarem estratégias de diversificação mais robustas, combinando segurança, liquidez e potencial de retorno, o que contribui para uma gestão de risco mais eficaz e sustentável.

Por fim, o ofício ressalta a necessidade de uma governança rigorosa e da divulgação transparente das políticas de investimento, alinhando o mercado brasileiro às práticas regulatórias internacionais e facilitando a atração de investidores institucionais que buscam mercados regulados e seguros.

Exchanges e seu Papel na Negociação de Criptoativos

Exchanges são plataformas que facilitam a compra, venda e troca de criptoativos, funcionando como intermediárias no mercado de ativos digitais. Elas podem ser centralizadas (CEX), quando operadas por uma entidade responsável por manter a custódia dos fundos e gerenciar as transações, ou descentralizadas (DEX), quando operam de forma automatizada por meio de contratos inteligentes em blockchain, sem uma entidade central controladora.

No contexto regulatório, as exchanges são essenciais para garantir transparência, liquidez e conformidade com as normativas estabelecidas pelo Banco Central e pela CVM. A governança das exchanges tem impacto direto na segurança dos investimentos e na mitigação de riscos como fraudes e lavagem de dinheiro.

Por essa razão, a regulamentação impõe requisitos rigorosos para sua operação, exigindo registros adequados e auditorias regulares. Para as Asset Managements, a escolha de uma exchange confiável é um fator crucial na gestão de fundos que incluem criptoativos em sua composição.

Impactos para as Asset Managements e Fundos de Investimento

A regulamentação dos criptoativos impõe novos desafios para as Asset Managements, exigindo maior estruturação jurídica, compliance aprimorado e maior transparência na composição das carteiras de investimento. A imposição de regras mais rigorosas amplia a segurança para investidores, mas também impõe custos operacionais adicionais, que podem impactar a gestão dos fundos.

A governança dos fundos também precisa ser aprimorada, com um olhar atento à adoção de melhores práticas para a custódia e administração dos criptoativos. Os gestores devem avaliar a robustez das exchanges utilizadas para aquisição desses ativos, bem como a implementação de processos de due diligence que garantam a legitimidade das operações.

A estruturação de produtos financeiros baseados em criptoativos também deve observar diretrizes internacionais de regulação financeira, especialmente aquelas emitidas pelo Financial Stability Board (FSB) e pela International Organization of Securities Commissions (IOSCO). Estudos acadêmicos, como o relatório “Regulando Criptoativos” da FGV Direito SP, destacam que a regulamentação deve encontrar um ponto de equilíbrio entre a inovação e a segurança do mercado, garantindo que as normativas não inviabilizem o crescimento do setor.

A necessidade de governança regulatória também se aplica às gestoras de criptoativos que oferecem serviços de staking (processo pelo qual investidores bloqueiam seus criptoativos para validar transações na blockchain e, em troca, recebem recompensas) e lending (modalidade de empréstimo de criptoativos a terceiros, geralmente em plataformas descentralizadas, em troca de juros).

A regulação tende a exigir maior transparência sobre os riscos dessas operações, uma vez que envolvem a alocação de ativos digitais para gerar rendimentos passivos. Assim, Asset Managements que desejam incluir esses produtos em suas estratégias devem considerar as diretrizes estabelecidas pela CVM e pelo Banco Central, bem como as recomendações de órgãos internacionais que regulam o setor financeiro.

Oportunidades Criadas pelo Novo Marco Legal

 O novo marco legal traz oportunidades significativas para o setor financeiro, permitindo a diversificação dos portfólios ao possibilitar a inclusão de criptoativos em estratégias de investimento mais alinhadas com as tendências globais. Essa regulamentação clara e as diretrizes estabelecidas reduzem a incerteza jurídica, atraindo investidores institucionais e fortalecendo a confiança no mercado.

Além disso, um ambiente regulatório definido favorece a inovação e a competitividade, possibilitando o desenvolvimento de produtos financeiros híbridos que combinam ativos digitais e tradicionais. A adoção de normas compatíveis com organismos internacionais também facilita a integração do mercado brasileiro ao cenário global, ampliando as oportunidades de captação e investimento.

Assim, embora o novo marco legal imponha desafios operacionais e de compliance, ele cria condições favoráveis para a modernização e o fortalecimento do mercado de criptoativos no país.

Considerações Finais

A regulamentação dos criptoativos e sua inclusão nos fundos de investimento representam um avanço significativo para o sistema financeiro brasileiro. Para as Asset Managements, a nova realidade imposta pelo marco legal exige não apenas a adequação às normativas, mas também a implementação de práticas de governança e transparência que assegurem a proteção dos investidores e a integridade do mercado.

Ao mesmo tempo, os requisitos de segurança, liquidez e transparência – bem como os limites de alocação estabelecidos – contribuem para a criação de um ambiente mais seguro e robusto, onde a inovação pode se desenvolver de maneira sustentável. Dessa forma, o novo marco legal não apenas impõe desafios, mas também abre um leque de oportunidades que poderão consolidar a posição do Brasil no cenário global dos ativos digitais.

Bibliografia

i. BRASIL. Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022. Dispõe sobre diretrizes para a regulamentação dos ativos virtuais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br.

ii. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.cvm.gov.br.

iii. BANCO CENTRAL DO BRASIL (Bacen). Notícia sobre regulamentação dos criptoativos. Disponível em: https://www.bcb.gov.br.

iv. FGV DIREITO SP. Regulando Criptoativos. Relatório. 2022. Disponível em: https://direitosp.fgv.br.

v. Criptoativos. Relatório. 2022. Disponível em: https://direitosp.fgv.br.

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